Provérbios Provados noutras casas:

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Provérbio canino - III

Joaquim Pintor era viúvo e reformado, cedo deitava e cedo erguia, e frugalmente comia: cozidos e grelhados, nada de fritos ou estufados. Não foram os Domingos, em que se permita certas excepções como doces e enchidos e álcool e cigarrilhas, tudo o mais seria plácido e sereno.
O Joaquim não queria mãos alheias que lhe tratassem da casa; ia fazendo o necessário sem grande dificuldade, gostava de paz e tranquilidade.
Tinha apenas por companhia um gato e um cão que, fazendo jus à forma de estar do dono, conviviam lindamente. Chamavam-se simplesmente Gato e Cão e, como é natural, respondiam sempre pelo nome: eram dois animais muito completos, duas fotografias desfocadas da personalidade do Joaquim. Tinham chegado lá a casa ainda novos, o Cão primeiro que o Gato. O Gato era mais menineiro, e debaixo do sol gostava de caçar moscas no quintal e também de dormitar. Quando acordava das suas sestas, espreguiçava-se até à medula. Tinha um olhar cinza faíscante belíssimo. O Cão, sem querer, às vezes afundava-se naqueles olhos, mas logo se afastava tremendo. O Cão era mais velho e mais companheiro. Andava atrás do dono por toda a parte e, como era arraçado de perdigueiro com rafeiro, o Joaquim até costumava dizer que farejava até Faro.
Joaquim Pintor era caçador. Quando virava a porta, todos os dias à mesma hora, ambos Cão e Gato se acercavam – o Cão porque sabia que era chegada a hora do passeio, o Gato miando e esperando o seu miar comovesse o dono. O que Joaquim gostava verdadeiramente era do contacto com a Natureza, não propriamente da caça em si. Aliás, nunca trazia mais do que um exemplar para casa, mesmo se havia caça animada em voo. Era sempre o Cão que lhe trazia a peça, arquejando triunfante à espera da festa reconhecida do dono, e às vezes um pedacinho de torresmo que sobrava dos Domingos.

São destas mudanças que acontecem nas histórias, e vai daí um Sábado em que Joaquim Pintor sai em vias de caçador, acompanhado como habitualmente pelo fiel Cão. Era esse um Sábado agitado, por mostra de caçadores amadores vindos das cidades com a motivação de somar disparos. Mas o que Joaquim gostava verdadeiramente era do contacto com a Natureza, por isso não compreendia propriamente aquela farsa da caça em si. E sentia tão certo o não estar certo, que os acontecimentos lhe vieram dar razão. Foi o Cão. Uma bala perdida. Depois trouxe o Cão todo o caminho ao colo.
O tempo avançou e Joaquim não quis mais cães nem mais caçou. O Gato caiu numa lealdade tal ao dono que o seguia para todo o lado, escavando covas furiosamente, perseguindo insectos no voo, desaparecendo e reaparecendo em ápices nos arbustos do quintal. Então vai daí um Sábado em que ao Joaquim lhe dá uma comichão de procurar a arma e um impulso de levar o Gato consigo. E foi assim e Era uma vez. Claro que o Gato não trazia perdizes nos dentes, embora as soubesse localizar se estivesse para aí virado. Mas foi assim que sucedeu porque Joaquim caçador e o seu Gato viveram muitos anos.

- Quem não tem cão caça com gato


P.S. - Provérbio e história sugeridos pela afilhada/sobrinha Catarina, 11 anos. Espero que ela goste do resultado. E até possa quem sabe escrever uma história alternativa.

Sem comentários: