Provérbios Provados noutras casas:

sábado, 6 de setembro de 2008

Provérbio familiar

A minha sobrinha veio trazer à minha vida um arco-íris de alegrias. Podia falar-vos da beleza e da simpatia da Catarina, e da vontade de viver com que acorda a cada manhã, capaz de fazer corar de vergonha qualquer pessimista empedernido. Podia falar-vos do enorme amor que existe entre nós, o mais especial que já alguma vez senti. Quando ela corre na minha direcção com sorrisos de orelha a orelha, sei que me devota um amor incondicional, todo feito de adoração, que nem suspeita da minha imperfeição. Mas venho falar-vos dos esforços da minha sobrinha no uso da linguagem; a Catarina está a aprender a falar e, por preguiça ou falta de necessidade, exprime-se em poucas palavras, sendo o "não" a preferida, repetida incessantemente ao longo do dia, para praticamente todas as situações. Falar em palavras é só um modo de dizer, já que o discurso é mais uma profusão de ditongos e algumas consoantes, cujas definições não vêm em nenhum dicionário. Já constrói frases incompletas, algumas a terminar em tom interrogativo, que me dão trabalho a descodificar e a tentar responder com a maior simplicidade e a quase ausência de adjectivos. O uso dos verbos é pobre, resume-se às formas "é", "tem", "góta" e pouco mais, nunca lhe ouvi o verbo querer. Outro dia, observando-a, pensei em como é bom viver neste estado rudimentar da linguagem.
Tenho vontade de te explicar isto, Catarina, mas sei que não vais perceber. Vais aprender muitas mais palavras, sabes, uma nova todos os dias, e chegarás a perceber que existe mais do que uma palavra para a mesma coisa. E depois irás para a escola e saberás que as letras que estão nos livros têm significados, e aprenderás a juntá-las formando frases que poderás ler e desenhar. E perceberás que as palavras não são todas iguais porque são classificadas em grupos, mediante definem uma acção, uma coisa ou uma característica. Tanto trabalho, Catarina, para um dia teres um discurso completo e elaborado, recheado de sinónimos, definições e estados de alma. Para constatares, algures na idade adulta, que muitas vezes mais vale estares calada. Todo o esforço te fará um caminho inverso no regresso ao silêncio, quando compreenderes que o vento leva mesmo as palavras como se diz, que muitas não encontram eco a não ser dentro da tua cabeça, que os ouvidos dos outros estão sem paciência. E terás saudades deste tempo onde agora te vejo, Catarina, na perfeita dimensão da palavra saudade, que é a de se querer reaver algo de que nem temos lembrança. Goza este momento de simplicidade, era o que te diria se conseguisses perceber. A Mi vai ensinar-te mais palavras...

- O silêncio é de ouro, a palavra é de prata

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