Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Provérbio provado rimado - MCCXC

O amor como as andorinhas 

Dá felicidade às casas 

Mas no fim tal como adivinhas 

É um mero bater de asas 


Esconde ser a mais bela patranha

Que todos consegue iludir 

Dada a ternura tamanha 

Que sói de nós emergir 


Enquanto ele reconforta 

Caímos que nem uns patinhos 

E quando nos põe fora da porta 

Inventamos novos caminhos 



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIX

Quando o mel tem sabor 

A abelha sempre regressa 

E lá na colmeia em redor 

É isso mesmo que interessa 


Fazem fila as obreiras 

Para as suas obrigações 

E querem ser as primeiras 

A exibir tais galões 


Se alguma então interrompe

Qualquer tarefa que é cega 

Logo o conjunto corrompe 

Por estar a fugir à regra 



Provérbio provado ludibriado

Aqui entre nós que ninguém nos ouve, que sabemos falar bem baixinho e somos mestres no sussurro quando é para dizer mal nas costas, esta panelinha tem-nos trazido muitos proveitos, olá se tem! Conseguimos ficar sempre bem vistas porque somos capazes de mentir com cara de santas e aquela expressão ausente que é apanágio da sonsice. E se mentimos bem, senhores, que carreiras no teatro se perderam, um desperdício autêntico!

Mentimos para nos safarmos da repreensão que acaba por ir melindrar noutra direcção. Mentimos também para que se iludam sobre as nossas escassas competências e nos atribuam o mérito de que não somos dignas. Enfim, mentimos com a maior cara de pau que conseguimos arranjar pois já nos habituámos a mentir. É-nos até mais fácil nunca dizer a verdade: a verdade às vezes aleija e traz sempre consequências. De tanto a escamotear, já nem a descobrimos no meio de tantas camadas, preferindo assim o conluio e a peta descarada.

Noutro dia, até a chefe, habitualmente pouco concentrada na linguagem corporal alheia, nos apanhou em falta. Foi um dia de juízo, mas lá nos desembaraçámos de uma maior suspeição. Estamos a ficar relaxadas, é o que é!: de tanto envergar o mesmo fato, já não somos as mesmas pessoas. Damos por nós a desconhecer a própria essência e percebemos que não apenas mentimos aos outros mas, o que é mais grave, a ilusão faz agora parte das personagens que criámos.

Os dentes começaram a cair-nos entretanto um por um. E só quando já não nos restar osso nas gengivas é que havemos de convocar a época em que, ainda na posse de todos os molares, sisos, insisivos e caninos, gostávamos de fazer dos outros parvos.


- Mentir com quantos dentes se tem na boca 

Provérbio provado rimado - MCCLXXXVIII

É desnecessário tentar 

E ficar insistindo provar 

Em mostrar algo a alguém 

Que vê o que lhe convém 


Pois quem só olha o umbigo 

Somente de si é amigo 

Favores não agradece 

Nem gratidão oferece 


E se não é beneficiado 

Tudo lhe passa ao lado 

Nem repara nesses momentos 

Entra a cem e sai a duzentos 



terça-feira, 2 de abril de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXXVII

Quando eu conheci o António

Pareceu-me tão possidónio

Porque era muito presumido

Do seu próprio valor convencido


Algum tempo então decorreu

E o António não me convenceu

Que a mão na anca é postura

De alguém a quem falta cultura


Se preciso faz-se de tolo

Para esconder que é parolo

E com a peneira de saloio

Separa o trigo do joio


Faz-se de Inês e de Lucas

Tornando as pessoas malucas

Gosta de lançar confusão

E não ter depois reacção 


O que o António merece

É que haja quem o processe

Ou que seja mais falso que ele

E com isso o António interpele



Provérbio provado rimado - MCCLXXXVI

Dizem que a imaginação

É parte da enfermidade

Tal como aqueles que são

Hipocondríacos de verdade


Também se diz que a paz

É do remédio a metade

Quando há stress o que faz

É tirar tranquilidade


Para quem vive em negação

Nunca será boa altura

Pois ter paciência e noção

É estar no começo da cura



quinta-feira, 28 de março de 2024

Provérbio provado num verso branco - CXLIII

O espaço da surpresa apenas se preenche
Com o último assombro que a interpelou
Até passar a outro oue não ao mesmo
Porque a novidade não tem parentes
Nem acumula despojos desnecessários

É uma porta que se abre sempre em sobressalto
O espanto irrompe por ali adentro
Sem se fazer anunciar nem proferir saudações
Transpondo a soleira com pressa e sem ambiguidades
Que é a sua forma de se mostrar competente

A surpresa jamais pede colo ou regaço
Não há tempo para materializar o apego
Apesar de um suspiro não durar mais do que um segundo
Pode vir a ser confundido com um bocejo 
E é sabido que qualquer admiração não pode ter sono
A sua natureza é estar em constante alerta

No entanto a realidade é exigente a pedir maravilhas
Embora uma boa surpresa não passe de uma redundância 



Provérbio provado rimado - MCCLXXXV

A Andreia fez birrinha

E a seguir meteu baixa

Pois descarrilou sozinha

Já não dá uma prá caixa


Vê-se que naquela cabeça

Fundiu-se um raro fusível

E mesmo que até não pareça

Deixou de ser imprescindível


O hábito maior da Júlia

É fingir que anda ocupada

No meio da simples tertúlia

Confessa-se assoberbada


Que a a Júlia sabe ser rata

Tem artes de assim iludir

E por ser mulher insensata

Quer à sombra dos louros dormir



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIV

Os amores da azeitona

São como o milho miúdo

Acabada a maratona

Lá vai amor e vai tudo


Lá vai amor e vai tudo

Que esse ardor repentino

Não pára e é também surdo

Ao que lhe indica o destino


Ao que lhe indica o destino

Não presta o amor atenção

Por ser pouco cristalino

Abstém-se de reacção


Abstém-se de reacção

O amor amedrontado

Pois teme que a excitação

Pertença só ao passado


Pertença só ao passado

A satisfação mais plena

E que agora enlutado

De si mesmo tenha pena


De si mesmo tenha pena

Por ter redundado em fracasso

Por ser uma história pequena

À qual faltou um abraço


À qual faltou um abraço

No momento da despedida

E assim cortou-se o laço

Cada um foi à sua vida



Provérbio provado rimado - MCCLXXXIII

Se receias ficar de fora

Ou estar desactualizado

Dá-lhe com empenho agora

Ou serás ultrapassado


É fácil que sem perceberes

Te queiram defecar em cima

Concentra-te assim em saberes

Como endireitar sem a lima


Põe de lado essa postura

Que vê em qualquer indivíduo 

Sempre a bondade mais pura

Até que seja preterido


Que neste país de doutores

Ninguém quer trabalho braçal

Preferem colher dissabores

Pesando a balança fiscal


É um desnível aceite

Que haja senhores e vassalos

Desde que nenhum aproveite

Para aos outros pisar os calos



quarta-feira, 27 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXXII

A Rita foi diagnosticada

Com défice de atenção

Entretanto era medicada

Sem se vislumbrar solução


Quando descobriu o que era

A Rita experimentou um alívio

Por não ficar mais à espera

De esquecer qualquer convívio 


Pois dantes o que lhe diziam

Não lhe ficava no ouvido

As lembranças adormeciam

Como num baú corroído


Apesar de ser uma doença

Agora é coisa com nome 

Deixou de ser simples crença 

Que a existência consome


Porém mais que ser distraída

A Rita perdia a memória

Sem embargo encontrou a medida

Que permite escrever uma história


Por algum esquecimento precoce

Tinha logo de se desculpar

Finalmente a Rita encontrou-se

Já se pode permitir errar


Toda a vida lhe corre melhor

Anda mais satisfeita na rua

Pois o tal problema anterior

Era ser cabeça na lua


(Ilustração: Junkhead)



Provérbio provado rimado - MCCLXXXI

A minha flor preferida
É o antúrio vermelho
Aguenta qualquer investida
Nunca se põe feio e velho

Com sede ou encharcado
O antúrio sempre resiste
Mesmo quando é olvidado
Continua de haste em riste

Se acaso muda a direcção
Dos raios que oferecem calor
Nunca entra em negação
De si mesmo é conhecedor

É de tal forma perfeito
Que nem parece verdade
Tal seiva correndo a eito
No caule cheia de vontade

Por ser uma planta resistente
Às condições circundantes
Sobrevive tão competente
Nos bons e nos maus instantes

Gostava de antúrio ser
Tão nobre e sempre vivaz
E saber bem envelhecer
Permanecer como ele capaz 

Quando me viessem regar
Abriria as folhas às gotas
Uma forma de ressuscitar
Sem ter de dar cambalhotas

Ir a jogo é o segredo
Fazer por o medo engolir
E se resultar em degredo
Não deixar de persistir

Por isso guardo esta lição
Descobri que quem nunca tenta
É pasto para a frustração
Já que assim também não inventa



Provérbio provado rimado - MCCLXXX

Eu gosto de pessoas estranhas

Que não me vendem patranhas 

As mais negras do seu rebanho

Que o seguem com esforço tamanho


Não se armam em pobres patinhos

Mas tendem a andar sozinhos

Que a mentalidade vigente

Rejeita quem é diferente


O solitário e o perdido

Sentam-se à mesa do esquecido

Tão famintos de empatia

Vibram com a mais ténue energia


Pensam com a própria cabeça

Apesar de haver quem ofereça

Normas gordas e códigos tais

Que não crêem fundamentais


São o tal tipo de pessoa

Cujas convicções e moral

Do resto do rebanho destoa

Por assim ser original


E sempre que surge o pastor

Tentando impor qualquer regra

Procura logo o impostor

Que se assina ovelha negra 



Provérbio provado rimado - MCCLXXIX

Quando os que estão no comando

Perdem todo o tipo de vergonha

Mas arregimentam o bando

Para que a tenha na fronha


Não granjeiam assim mais respeito

De quem antes só obedecia

Que sente entretanto no peito

Uma quebra na ex harmonia


Então quem era comandado

Interrompe o vulgar seguidismo

Por opções ter imaginado

Que sobrevivem ao cinismo 


Começa de seguida a crescer

Aos olhos dos chefes maiores

Quer de sua justiça dizer

Ensinar àqueles professores


Não quer ser mais pau mandado

Quer participar na estrutura

Mas o seu esforço é rejeitado

Por nunca ser boa altura


Vai dizer de vez o que acha

Para ver se muda o clima

Porque quanto mais se agacha

Mais lhe põem o pé em cima 



terça-feira, 26 de março de 2024

Provérbio provado rimado - MCCLXXVIII

Repetes o teu próprio nome

Como um galaró emproado

Ages como se o presidente

Te tivesse já condecorado


Quando abres essa goela

Tantas vaidades cacarejas

Prescindo de qualquer parcela

Do teu quinhão de invejas


Vaidoso e deveras pedante

Egoísta mais que os egoístas

Como te julgas importante

Adoras poder dar nas vistas



Provérbio provado rimado - MCCLXXVII

Conheço o teu terreno

Minado de más intenções

Por isso dispenso o veneno

Tempero dessas refeições


Estou careca e sei de gingeira

Como tu descascas a fruta

Como dás a dentada primeira

Com requintes de filho da puta


Quando me dei conta disso

Ainda pesei na balança

Se pensas apenas com o piço

Ou se podia ter esperança 


Contudo não quis insistir

Esperando uma consideração

Cuja ausência me fez desistir

E atirei a toalha ao chão



Provérbio provado rimado - MCCLXXVI

Não adianta gastar o latim

Se tu nem reparas em mim

Tão cheio do teu próprio ar

Mais não fazes do que te gabar


Vai andando que já vais tarde

Fecha a porta sem muito alarde

Que ela é serventia da casa

E nem foste um golpe de asa



Provérbio provado num verso branco - CXLII

ESTE VERSO


Este verso não se evidencia nos corredores

Este verso não se enquadra no descuido aparente

Empalidece na presença de um microfone aberto

É sempre e desde sempre um diálogo aborrecido

Entre o mesmo umbigo e o mesmo espelho

E mal logra a sua própria evasão já não se pode agarrar


Este verso não recebe diploma de participação

Este verso não é popular nem sequer é feminista

O indivíduo que aqui escreve bem podia ser um homem

Com a agravante de macho egocêntrico com um falo irado

Este verso não é melhor nem pior por ser feminino 


Este verso não é panfletário nem o lamenta

Este verso não dá voz às vulvas que abortam

Nenhum poema consegue compensar essa imensa solidão

A morte tamanha da possibilidade mais inteira

Daquele corpo de mulher que sobrevive

Depois de toda a vida que não lhe nasceu 


Este verso não risca bandeirinhas ao acaso 

Este verso não divulga em que camas tremeu de prazer

Feitas as contas e acabado o baile

Noves fora nada roda bota fora

Sabe que o sexo mais generoso não reinvidica

Tanto mais se entrega quanto o outro mais se entrega

Tesão sem efeito é um conceito tão rápido como um calafrio 


Este verso não jogou às escondidas com a polícia política

Este verso não ergueu cravos no Largo do Carmo

Mas é tão digno filho da revolução como quem entoou O povo unido

E sempre pôde dizer de sua cega justiça

Conforme a triagem que a circunstância lhe apontou 

Não é por acaso que os pratos da balança são redondos 

As únicas torturas sofridas foram auto-infligidas 

Que a auto-censura tem uma caixa de lápis de cor

Capaz de transformar palavras inócuas em frases tracejadas


Este verso já chorou por Odessa

Este verso já chorou por Gaza

Não faz no entanto a aclamada poesia social

Cantando os hinos fronteiriços com propriedade vocal 

Nem levanta as bandeiras rasgadas dessas populações 

Para granjear aplausos num Ocidente em paz


Este verso não é melhor do que outros versos

Na verdade este verso não é pior do que tantos outros versos

Este verso reconhece a própria voz e com isso se sente verso



domingo, 17 de março de 2024

Provérbio provado apartado

Se te lembras, a Matemática nunca foi o meu forte. Errei sempre as somas e as multiplicações. Só a dividir obtinha uma nota positiva - isto pensava, porém não consultei a pauta. Tinha um problema com as contas e um excesso com as palavras. E tu eras o oposto, não eras? Todo dado aos números e poupado nos elogios.

Pensar nisso agora não muda nada, o arrependimento não muda o passado. E o esquecimento aprende-se rápido.

Sabes?, se calhar não sabes..., deixei de sentir a tua falta. De vez em quando uma lágrima, uma só, ainda cai como num luto antigo. Uma só lágrima se acaso uma música que ouvíamos juntos ou se te pressinto ao virar da esquina e fujo dali. Mas não se assemelha a um pranto cara abaixo, daqueles que alcançam o pescoço. Nem chega a ser uma tristeza sem nome nem coragem.

Não, não tenho saudades, podes acreditar na sua ausência. É isso: uma ausência, um vazio dorido numa superfície suja, percebes?

Já nem sequer me lembro se te amei, mas recordo bem o nome carinhoso com que nos tratávamos, bebé.


- Longe da vista, longe do coração 

sábado, 16 de março de 2024

Provérbio provado num verso branco - CXLI

Daqui ao futuro já meio caminho andado

Uma boa parcela de esforço realizada

Se há progresso inicial aumentam as hipóteses

De ser alcance e não apenas desejo


Mas ninguém pode amparar a eternidade

Entre os braços como num embalo criador

Todas as promessas são por natureza vadias


O infinito não mora na impossibilidade

Desde que possa ser cada dia onde se existe

O futuro nunca compensa antes de tempo

Nunca compensa em face da expectativa

Para sempre é sempre por um triz